No tempo em que os consumidores portugueses estavam civilizacionalmente mais próximos da fase produção do que comiam eram, naturalmente, mais exigentes.
Os estabelecimentos, no último degrau da cadeia, não tinham outra hipótese que não serem, no mínimo, honestos, face ao conhecimento de que estavam munidos os seus clientes.
[ Exemplo 1 ] O francês comum percebe minimamente de vinho. Não é "perceber" de vinho do estilo vou comprar esta garrafa porque é dispendiosa e faço um brilharete no próximo jantar lá em casa ou o vinho deve beber-se à temperatura ambiente ou não bebo brancos porque vinho é tinto. Isso são tiques de um país que ainda tem preconceito com O Néctar. Em França, bebe-se vinho sem que ninguém ache que isso fará dele um saloio alcoólico, essa sim, saloiice suprema. O vinho é parte da cultura, acompanha quotidianamente mesmo quem não o consome e, pasme-se, é motivo de orgulho nacional. Tudo isto empresta algumas obrigações aos produtores. Num ano bom, um Borgonha qualquer custará €50. No ano seguinte, porque o terroir não foi favorável, a mesmíssima garrafa pode custar €5. Porque é que isto acontece? Porque o produtor sabe que não poderá enganar o consumidor. Está obrigado a ser honesto. Em Portugal, há "marcas" que não fazem nada a que se possa chamar vinho desde 1986. Ainda assim, continuam a levar €3 por uma zurrapa ridícula a que o consumidor português é capaz de chamar "bebível". Enquanto isso, os produtores, pouco preocupados em educar o tuga a gostar de vinho, entretêm-se com guerrinhas internas, o Douro às cabeçadas com o Alentejo, o Dão a desdenhar as Beiras, são todos melhores que os outros e não há nenhum "génio" que una esta gente toda para que deixemos, de uma vez por todas, de ser conhecidos lá fora pelo Mateus Rosé.
[ Exemplo 2 ] Não passaram muitos anos desde que o prato do dia à segunda-feira era bacalhau. Bacalhau com grão, à minhota, com broa, assado na brasa ou sob a forma de qualquer um dos seus sub-produtos, dos pastéis às pataniscas. Porquê? Porque os pescadores também têm Domingo. E nesse tempo, os clientes sabiam-no! Hoje, que a frota pesqueira portuguesa está reduzida a números históricos, até pode haver peixe fresco no primeiro dia da semana. Mas não é tão bom, por uma razão simples: Não é nosso. De tudo isto a maioria não sabe. Come, à segunda como noutro dia qualquer, "douradinha" como se não houvesse carapau, "robalinho" como se o salmonete não soubesse a marisco, desconhece por desinteresse, preocupa-se apenas com o "colesterol bom", a dieta, o cheiro que ficará na roupa e, logo, na repartição durante a tarde se optar pelas sardinhas. Não se pense, nem por um momento, que isto só nos empobrece culturalmente. Come salmão, pequena; Come salmão! Depois mete a metafísica na rabeta, que é uma corvina pequena, como certamente sabeis!
[ Exemplo 3 ] Andar em hipermercados, esses animais do dumping que condenaram, nos últimos anos, tantos e tantos produtores a um desconforto económico inaudito, à procura do selo “Compro o que é Nosso” não chega para resolver as coisas. Tampouco se admite, nos dias de hoje, qualquer interjeição de espanto quando se percebe que os produtos hortofrutícolas numa Mercearia de Bairro são, desde que nacionais e sazonais, muito mais baratos (se não a metade do preço). Do nível qualitativo dos mesmos, nem se fala. Estamos, como saberão, no Outono. É uma óptima altura para testar a honestidade de um estabelecimento. O mesmo deverá ter, por obrigação sazonal, maçã Bravo de Esmolfe. Por obrigação orgânica, Pêra Rocha com menos de 5cm de diâmetro. Comprem, por todos nós!