Sei, por Portas das Ravessas, que este ano estamos mal de azeitonas. De Norte a Sul, o orgânico e centenário olival português sofreu às mãos de um tempo sacana! Das mais bravias árvores, marrecos e retorcidos exemplares de bojuda base e copa larga, às cuidadosamente podadas, bonsais sem escala, as oliveiras foram, na sua esmagadora maioria, por impossibilidade maior, poupadas ao varejamento outonal. Arquebina, picual, galega, cordovil ou hojiblanca, azeiteiras ou não, foram poucas as cultivares que se safaram. E a que se pensou estar minimamente aceitável não passou no teste. No lagar ou na curtimenta para a mesa.
Não estou aqui a fazer a apologia da desgraça. Era o que mais faltava. Para isso, teria que curar sobre a infeliz falta que o azeite, uma das nossas maiores exportações, faz à economia nacional. Não é por aí. O que me preocupa é a eventual falta que o azeite bom, tuga, sem uma azeitona espanhola que seja, fará... à mesa de cada português. Aquele que arrepia, pela acidez, o tenrinho fiscal da ASAE. Aquele que cheira a milhas ao primeiro calor e ainda antes de receber a cebola, o alho, o louro, o tomate lá para o Verão. Aquele que afoga o bacalhau ou o polvo num quadro pintado a ocre de barro. Que cai em fio de ouro sobre a salada. Que trata a açorda por tu e tudo o resto por "amo-te, pá!"...
Provei-os de todas as cores, odores e sabores. Do Norte de África a Israel, da Grécia continental às humildes ilhas Cíclades, de Itália a Espanha passando por França... acenei sempre. Com saudade. E vontade de escrever só para saber das boas novas... ao verdinho, intenso, desavergonhadamente sensual azeite português.
E se um dia não houvesse, sobre uma já gasta toalha de plástico, um pouco de vinho, um casqueiro e um pires de azeitonas temperadas a ervas do monte, esse jantar que nunca faltou aos nossos avós? Quantos de vós reconheceriam, nisso, uma crise que não cabe em manchetes de jornal?
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