quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Uma Reinterpretação Ou Lá o Que é Isso…

Venho de uma casa onde nunca me faltou nada. O que não quer dizer que não tenha faltado a quem me deu. Por isso mesmo, talvez. Sacrifícios, ou lá como se chama esse bicho. Comer Fora, por exemplo. Fez-lhes falta. Muita. Um restaurante era assim uma casa de férias só para algumas horas. Um Íbis do palato. Prazeres terrenos, Aqui Vou Eu! Uma coisa que se desejava durante muito tempo e sabia a recompensa. A qualidade desse destino tinha de ser indiscutivelmente boa. De contrário, empregados e proprietários tinham de saber aceitar as maiores críticas. Ter a capacidade de aceitar, com um sorriso, pratos devolvidos. Já cheguei a pensar que os meus pais foram o primeiro esboço da ASAE, mafarricos. Lembro-me de uma vez em que o Bacalhau à Zé do Pipo consistia numa posta de bacalhau panado, provavelmente sobejado do almoço, coberta de puré. Mestre dIAZ Sénior cofiou o bigode e disse Quero falar com o seu chefe. A pior foi a das batatas fritas congeladas, só para se ter uma noção da velocidade a que as coisas mudam quando o permitimos... Desculpe, mas está a levar Mil e Quinhentos Escudos por um prato para o qual ninguém se dignou a cortar batatas?... Para mim, era uma vergonha, na altura. Agora, é uma vergonha ver no que a restauração mediana, a que prolifera, se tornou. A culpa é dos clientes. Dos portugueses. Porque para turista Bacalhau à Brás basta! Permissividade, é isso. E, convenhamos, a banalização do Ir Comer Fora. Vamos porque sim. Vamos porque não. Ao almoço porque é convívio. Ao jantar porque apetece. Os estabelecimentos multiplicaram-se e desdobram-se em perninhas de frango no forno, lombo de porco assado, filetes de pescada e salmão grelhado, perca do Nilo por cherne, arroz de peru por arroz de pato à antiga. Menu de maximizar lucros. Comer de  minimizar a acutilância do palato. E por aí fomos descendo até chegar ao maior fenómeno do fast food tuga desde o frango assado com batata Pála Pála. Senhoras e senhores, vislumbrai o demónio que mancha, consome e putrefaz a Gastronomia Nacional… Trrrrrrrrrrr (isto é o rufar da tarola) Alheira com ovo!!!

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O que leva um povo que sempre consumiu enchidos com encantadora frugalidade, ora cortados em pedaços para petiscar com pão, ora no cozido para dar sabor, ora no caldo verde para que surjam à superfície aqueles pequenos círculos a pontear de vermelho a clorofílica tez a, de um momento para o outro, galifar uma alheira inteira ladeada de batatas fritas e coroada com um teté, condenando uma tradição secular a mero primo afastado da salsicharia alemã? A alheira é a Weisswuster de Portugal! Podemos esperar um futuro onde as roullottes vendem farinheiras em pão de cachorro? Morcelas com batatas fritas onduladas sabor a presunto? Não sei. Sei que o consumo desmedido, generalizado e imoderado do espécimen transmontano assassinou-o. Oxalá que não de forma irremediável. E quem já alguma vez comeu uma alheira autêntica, caseira, de Mirandela ou não, porco bísaro lá dentro, sabe que são cada vez mais difíceis de encontrar. Mesmo quando tudo faz pensar que estamos diante de um exemplar que vale a pena, DOP ou lá o que é isso, o embuste revela-se aos primeiros aromas da confecção. Valha-nos a restauração de topo, cara, que trata com respeito os produtos de origem fidedigna. Valha-nos a tasca antiga, nas mãos da mesma família há anos, que não aspira a ser poiso para tratar de negócios. E valha-nos, sobretudo, quem os frequenta. Valha-me aquele membro da família, que ainda grita alguns impropérios em mirandês quando não quer que se perceba o que diz, e o que me depositou nas mãos um dia destes. Corri para casa.
<6 PAX>
12 forminhas de queques ou similares 1 alheira 1 cebola roxa grande1 massa Folhada (comprar já pronta – a receita envolve margarina para folhados, que obriga quase sempre a deslocações)12 ovos de codornizAzeite, flor de sal e pimenta preta qb
1.      Cortar a cebola em tiras ao alto e saltear em pouco azeite. NOTA – Não deixar fritar muito, a textura será importante.2.      Tirar a pele à alheira e juntar à fritura, envolvendo tudo até unir a mistura.3.      Untar as forminhas com manteiga (se não forem de silicone).4.      Cortar círculos de massa folhada com uma caneca e forrar as formas.5.      Encher as formas com o preparado e, com um dedo, deixar uma ligeira concavidade.6.      “Polvilhar” com um pouco de flor de sal e pimenta preta moída no momento.7.      Levar num tabuleiro a meio do forno, previamente aquecido a 180º, durante 30min.8.      Retirar o tabuleiro e deitar sobre a concavidade de cada forma um ovo de codorniz. NOTA – Estes têm de ser CORTADOS com uma faca de serrilha. A película interior não permite o costumeiro resultado ao parti-los, desfazendo a gema.9.      Voltar ao forno perto do grill mas só por 5 min. para “estrelar” os ovos.


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